Por mais que o amor e a compreensão entre o casal cheguem ao fim, é preciso ter a consciência de que a saúde desse filhoprecisa ser preservada. "A relação entre esses pais pode ter acabado, mas em nome da criança e do amor a ela, é preciso manter o diálogo equilibrado", alerta a terapeuta infantil Daniella Faria.
A especialista garante que este momento não fácil para nenhuma das partes, mas a criança é a mais afetada. Por não ter o discernimento necessário para encarar a situação sem traumas, ela sofre tanto ou até mais do que os pais. "A intensidade desse sofrimento vai depender da postura dos pais, de como eles vão se relacionar com o filho a partir dessa nova condição de vida".
Em casos de separação amigável, a criança é considerada a peça mais importante e todos passam com leveza por essa fase. Há casos de crianças que até acham legal essa nova condição de ter duas casas, dois quartos. Mas quando esse desenlace é conturbado, o filho pode sofrer com asíndrome da alienação parental, que é quando um genitor passa a criticar o outro, deixando o filho no meio de um fogo cruzado. "Nesse caso ocorre uma inversão de papéis. A criança entra em estado de alerta, deixando de viver sua vida para cuidar do pai ou da mãe. Ela presta atenção em situações que não são da alçada dela", explica Daniella.
Ana Pozza, psicóloga e psicoterapeuta familiar, revela que há casos de filhos que passam por este problema de alienação parental e sentem um vazio de identidade, por terem crescido com uma imagem do pai ou da mãe que não era verdadeira. "Numa separação, o prejuízo maior é afastar um convívio de um dos pais. É preciso que o casal tenha maturidade para lidar com a raiva e colocar o filho em primeiro lugar".
Para minimizar os traumas, o correto é que os pais pensem no bem-estar da criança. É preciso trilhar um caminho de amor por esse filho. Ela vai se formar, casar, ter filhos, e pai e mãe precisam estar equilibrados para compartilharem esses momentos tão importantes. "Os problemas conjugais precisam ser tratados de maneira paralela, mas o bem-estar da criança precisa ser compartilhado. Os papéis de pai e mãe não podem deixar de existir", aconselha a terapeuta infantil.
Ana acredita que, durante o processo de separação, se faz necessário o apoio psicoterapêutico. "Esta é uma experiência extremamente penosa. A semelhante à perda de um ente querido. E nessa hora os pais se deprimem e a criança fica sem cuidados", explica.
A especialista diz ainda que a idade da criança não influencia no grau de sofrimento. Segundo ela, tudo depende do momento em que a família está vivendo. "Para um filho que foi abusado sexualmente ou que presencia constantes brigas dentro de casa, a separação é um alívio. Porém, aquele que tem contato frequente com os pais, vai sentir muito mais o fim do casamento."
Não é possível traçar o futuro de uma criança que vivencia a separação dos pais. Porém um processo de desenlace mal resolvido pode incutir no filho a crença de que casamento não dá certo e que nunca se deve brigar. "Ao mesmo tempo, a história dela, a partir desse fato, pode contribuir para o amadurecimento das escolhas afetivas, tornando-a mais cautelosa na escolha de um parceiro", comenta Ana.
Mudança de comportamento
Em muitos casos, a criança que vivencia a separação dos pais torna-se tensa, triste, insegura,agressiva e pratica a inversão de papéis, uma vez que ela ingressa no mundo adulto quando ela deveria ser cuidada por ele. "Às vezes, o filho pode regredir no comportamento. Volta a fazer xixi na cama, reduz seu desempenho escolar e se apega demais à mãe", explica Ana Pozza.
Entretanto, independe dos sintomas, é muito errado tratar essas mudanças de comportamento como um problema. "Isso nada mais é do que um pedido de ajuda, pois é a forma que a criança encontra para expressar o que está sentindo. E quem identifica essas atitudes deve saber encará-las como um caminho que pode desvendar as necessidades desse filho", afirma Daniella.
Independente dos motivos que levaram à separação, o grande desafio desses genitores é manter o foco na saúde integral dos filhos. "Antes de iniciar uma briga, pense na criança. Poupe-a dessa situação. Ela não pode viver essa desconstrução dos pais", ressalta a terapeuta. "O processo de dissolução do casamento pode gerar brigas durante um longo período de tempo. E se o casal tiver a consciência de que o filho é a parte mais valiosa dessa relação, os desentendimentos tendem a se encurtar".
Ana Pozza lembra ainda que a criança não pode ser excluída da situação. Se os pais traçam o estereótipo da família feliz na frente dela e de repente anunciam uma separação alegando brigas e incompatibilidades, vão dar a ela a impressão de que viveu uma farsa. Isso porque, mesmo que os pais não se abram para o filho, ele sente que existe algo errado. Enquanto o adulto é capaz de nomear sentimentos e coisas, a criança usa a percepção sensorial para entender o mundo à sua volta.
"Obviamente há assuntos que só pertencem ao casal, mas a criança precisa estar ciente das mudanças. Abra o jogo, diga a ela, numa linguagem adequada, que vocês estão passando por dificuldades, mas que estão tentando resolvê-las", sugere a psicóloga. "O errado é incluí-la no processo com o objetivo de fazer com que ela resolva, faça a mediação do conflito. É o caso da mulher que tem receio de lidar com o marido a sós e decide desabafar na frente da criança. Isso é muito prejudicial."
Para Daniella, todo tipo de agressão ou briga dentro de um ambiente familiar gera um grande estrago nos adultos e nas crianças. Mas na hora da separação, a terapeuta ratifica que é necessário colocar os filhos em primeiro plano. "Ela precisa ter a garantia de que a separação é entre pai e mãe e não entre pais e filhos. Os genitores podem mudar seus valores por conta da separação, mas não deixar de cuidar dos filhos que é a parte mais importante. Se os casais começarem a pensar dessa forma, o diálogo entre pai e mãe vai se manter, uma vez que o amor pela criança passará a ser a base dessa relação".