O Direito de ser Criança, por Rubem Alves



Eu não falo italiano. Estava lá, andando invejoso entre os meninos. Aí um jovem, vendo meu sorriso de inveja, sem dizer uma palavra, veio empurrando um carrinho de rolemã e simplesmente me fez um gesto. Assentei-me no carrinho e lá fui eu, empurrado pelo jovem, correndo como se fosse piloto de fórmula 1, rindo de felicidade. E percebi que andar num carrinho de rolemã me dá mais prazer que guiar automóvel. Quando guio um automóvel sou adulto. Quando ando de carrinho de rolemã sou criança. Só tive uma reclamação a fazer: é que os carrinhos de rolemã são feitos para crianças – o que revela um miserável preconceito. Por que não carrinhos de rolemã tamanho adulto? Por acaso os adultos não têm direitos? Por acaso eles estão proibidos de entrar no mundo das crianças? E não se fala tanto em "inclusão"? 

Eu quero ser incluído no mundo das crianças. Exijo os meus direitos. Pena que lá não houvesse balanços, um dos meus brinquedos favoritos. Balanços, pra existir, precisam de árvores grandes com galhos fortes ou armações de madeira. E lá não havia nem uma coisa nem outra. É impossível balançar sem se sentir leve e com vontade de rir. Balanço é terapia contra depressão. Lembrei-me do que disse Nietzsche: o Diabo nos faz graves, solenes, pesados; faz-nos afundar. Deus, ao contrário, dá leveza e nos faz flutuar. Concluo, então, que o balanço é um brinquedo divino, por aquilo que ele faz com a gente. Balançar num balanço é um forma de rezar, de estar em comunhão com Deus. 

Os brinquedos dão prazer. Os brinquedos fazem pensar. Quer ver? Você sabe que, sem ter ninguém que o empurre, você pode fazer o balanço balançar alto, até fazer o pé tocar na folha do galho, pela simples alternância da posição das pernas, prá frente e prá trás. Eu lhe pergunto então: por que é que essa alternância na posição das pernas, sem encostar em nada, produz o movimento do balanço? 

E o ioiô? Participei de um congresso sobre brinquedos, na Bahia. Havia uma infinidade de brinquedos em exposição. De alguns, apenas as fotografias. Como, por exemplo, pipas do tamanho de uma casa, pesando quinhentos quilos. E a fotografia de um mosaico grego, de antes de Cristo. Pois nesse mosaico aparecia um grego jogando ioiô! Nunca imaginei que os ioiôs fossem tão antigos! Pergunto: o que é que faz com que o ioiô vá para baixo e para cima? 

E que dizer dos quebra-cabeças? Quantas funções intelectuais altamente abstratas entram em jogo enquanto se monta um quebra-cabeças! 

E as bolhas de sabão! Me explique, por favor: por que é que elas são tão redondinhas? Quem joga sinuca aprende, intuitivamente, as leis da composição de forças. 

E os piões: por que é que se equilibram sobre um prego? Lá no congresso na Itália parei diante de um quebra-cabeças, dois pregos entrelaçados que, se se pensar bem, podem ser separados. Fiquei longos minutos lutando com os ditos pregos. E pensei: Que coisa mais estranha! Não vou ganhar nada se conseguir separar os dois pregos. O que é que faz que eu esteja aqui, perdendo o tempo e quebrando a cabeça? A resposta é simples: pelo desafio. 

Todo brinquedo bom é UM desafio. E isso nada tem a ver com esses brinquedos eletrônicos comprados, em que não se usa a inteligência mas apenas o dedo para apertar um botão. Brinquedo bom tem de ser desafio. Brinquedo bom tem de fazer pensar. É possível que você tenha comprado brinquedos para os seus filhos. Mas sugiro que aquilo que seu filho ou filha mais deseja é ter você como companheiro de brinquedo. Não me esqueço da imagem triste de um pai, numa manhã de domingo, empurrando o filho no balanço com a mão esquerda enquanto lia o jornal que segurava com a mão direita. Para aquele pai, brincar com o filho era um sacrifício. Para ele o importante eram as notícias do jornal. A infância passa rapidamente. Logo logo a única coisa que restará será o jornal na mão direita e o vazio na mão esquerda. 

No congresso distribuíram um página com os "Dez Direitos Naturais das Crianças" que quero compartilhar com vocês. 

"1. Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de viver momentos de tempo não programado pelos adultos. 

2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito de brincar com a terra, a areia, a água, a lama, as pedras. 

3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito de sentir os gostos e os perfumes oferecidos pela natureza. 

4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito de falar sem ser interrompida, de ser levada a sério nas suas idéias, de ter explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos. 

5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o direito de pregar pregos, de cortar e raspar madeira, de lixar, colar, modelar o barro, amarrar barbantes e cordas, de acender o fogo. 

6. Direito a um bom início: Toda criança tem o direito de comer alimentos sãos desde o nascimento, de beber água limpa e respirar ar puro. 

7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de brincar na rua e na praça e de andar livremente pelos caminhos, sem medo de ser atropelada por motoristas que pensam que as vias lhes pertencem. 

8. Direito à natureza selvagem: Toda criança tem o direito de construir uma cabana nos bosques, de ter um arbusto onde se esconder e árvores nas quais subir. 

9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito de escutar o rumor do vento, o canto dos pássaros, o murmúrio das águas. 

10. Direito à poesia: Toda criança tem o direito de ver o sol nascer e se pôr e de ver as estrelas e a lua." E aí eu pedi às crianças licença para acrescentar o décimo primeiro direito: "Todo adulto tem o direito de ser criança..."


Rubem Alves


"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranqüila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção."

In: O AMOR QUE ACENDE A LUA, Rubem Alves

Anorexia e Terapia Familiar



Ainda que demore a perceber a extenção do problema, a família é a principal, quando não única, linha que conecta a menina anoréxica ao mundo à sua volta. E é também o canal pelo qual ela tem maiores chances de se recuperar. Num estudo feito pelas universidades de Chicago e Stanford, 121 pacientes com anorexia, entre 12 e 18 anos, foram acompanhadas durante um ano para que se comparassem os resultados da terapia individual e da familiar. Ao final, constatou-se que 49% das pacientes em terapia familiar conseguiram se recuperar e apenas 10% tiveram recaídas. Entre as que fizeram terapia individual, 23% se recuperaram e 40% tiveram recaídas. 

Nas sessões de terapia em grupo, os pais percebem que não são os únicos naquela situação e aprendem a lidar com a doença. Manuela Barbosa, professora de educação física, hoje com 30 anos, relata que a presença dos pais no tratamento foi fundamental para sair do túnel escuro da anorexia. Aos 15 anos, começou a fazer regime e gradativamente passou para a patologia. Chegou a pesar 33 quilos. "Minha adolescência foi um vácuo, eu só pensava no meu peso", lembra. Foi ela quem pediu ajuda e aceitou bem que os pais participassem do tratamento, porque "queria que eles vissem meu sofrimento." Com a terapia, os conflitos em casa diminuíram e os cuidados aumentaram. "Eles começaram a fazer comida só pra mim, meus parentes ligavam para saber como eu estava. Fiquei muito feliz." A recuperação é um processo. "O corpo se recupera mais rápido, mas a cabeça demora para aceitar o novo peso", diz.

Fonte: Revista Veja, 01/12/2010

Algumas sugestões para ajudar os pais




Seguem algumas dicas interessantes para ajudar os pais no processo de educação de seus filhos:

Os pais erram quando...

1. Supervisionam parcamente o que os filhos fazem
2. São pouco claros ou incoerentes na hora de impor regras
3. Mãe e pai discordam sobre o que o filho pode ou não pode fazer
4. Repelem a criança
5. Não participam ativamente das atividades do filho
6. Dão mais atenção à criança quando ela se comporta mal ou dá chilique do que quando age positivamente
7. Caem na armadilha da birra da criança e discutem sobre o cumprimento das regras
8. Ficam bravos, gritam e batem no filho quando ele desobedece
9. Dão carinho junto com o sermão

... e acertam quando

1. Falam com calma e consistência o que a criança deve fazer ou o que se espera dela
2. Deixam claro que a criança não vai conseguir desviá-los de seu foco na conversa
3. Convencem o filho de que as regras não vão mudar por causa do comportamento dele
4. Informam ao filho quais serão as consequências desse mau comportamento
5. Estipulam punições proporcionais aos atos desobedientes e relacionadas à regra descumprida


Fonte: Revista Época, no. 569, p. 66

Livre para comunicar

foto by Emerson Jacobina


"Um sistema de relacionamento 'aberto' é aquele no qual um indivíduo está livre para comunicar uma alta porcentagem de pensamentos internos, sentimentos e fantasias para outro, que é capaz de um comportamento recíproco. Ninguém tem um relacionamento completamente aberto com outra pessoa, mas um estado saudável se dá quando uma pessoa pode ter um relacionamento no qual um grau razoável de abertura é possível.

Uma boa porcentagem das crianças têm uma versão razoável disto com um de seus pais. O relacionamento mais aberto que a maioria das pessoas têm em suas vidas adultas é a relação conjugal. Após o casamento, na interdependência emocional da vida em comum, cada cônjuge se torna sensível às questões que desagradam o outro. Eles evitam instintivamente os assuntos sensíveis, e o relacionamento se transforma em um sistema mais 'fechado'. O sistema fechado de comunicação é um reflexo emocional automático para proteger o self da ansiedade da outra pessoa, embora a maioria das pessoas diga que evita os assuntos-tabu para não desagradar os outros.

Se as pessoas pudessem agir segundo o conhecimento intelectual ao invés do reflexo automático, e obter algum controle sobre suas próprias reações à ansiedade do outro, elas seriam capazes de falar dos assuntos-tabu a despeito da ansiedade, e o relacionamento alcançaria uma abertura mais saudável. Mas as pessoas são humanas, as reações emocionais operam como reflexos e, quando o individuo médio finalmente reconhece o problema, pode ser impossível para os dois cônjuges reverterem sozinhos o processo.

Este é o ponto no qual um profissional treinado pode funcionar como uma terceira pessoa para operar a mágica da terapia de família, no sentido de abrir um relacionamento fechado."


BOWEN, M. Cap 4: A reação da família à morte. In: WALSH & MCGOLDRICK. Morte na Família: Sobrevivendo às perdas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 106.

Famílias "diferentes", Famílias atuais


Por Bianca de Souza (MBPress)


As famílias estão cada vez mais versáteis. Elas podem ser compostas por homens e mulheres, cada um com seus respectivos filhos, por avós que criam seus netos como se fossem filhos ou ainda por casais homoafetivos e seus herdeiros adotivos.

Diante desta variedade de tipos de famílias, todas muito respeitáveis, é preciso preparar as crianças para conviver com coleguinhas de núcleos diversos. "Afinal ninguém quer e nem merece ser motivo de discriminação ou piada. As crianças de hoje vivem numa realidade social de grandes transformações", afirma a psicoterapeuta familiar de casal, adulto e adolescente Ana Pozza.

A psicóloga aponta que a criança moderna está inserida em uma nova realidade social, com a qual ela vem interagindo desde que nasceu. A facilidade para compreender ou se adaptar às novas formas de famílias vai depender do meio em que ela se encontra. "É preciso saber se estas questões são discutidas no ambiente escolar, se o olhar às diferenças é estimulado com foco no respeito e no amor e se os pais ou familiares ajudam a criança a amar as pessoas pelos que elas são", diz Dra.Ana.

Também é importante lembrar que a criança é um ser em desenvolvimento, que precisa dos adultos ensinando valores e princípios, ajudando-a a se adaptar às transformações da realidade em que ela está inserida. A terapeuta alerta: "Desta forma, pais que demonstram preconceitos e ideias conservadoras a respeito das novas configurações familiares, ou até mesmo das tecnologias utilizadas para a gestação de um filho (inseminação artificial), ou também adoção, tenderão a passar estes preconceitos aos filhos, dificultando assim a sua compreensão e adaptação."

Ana Pozza garante que antes de uma mãe pensar em como irá ensinar os filhos a respeitar estas diferenças é preciso que ela trabalhe estas questões dentro de si. Deve se perguntar: ‘como me sinto em relação a estas questões?’. "Procure leituras adequadas, converse com amigos e com profissionais e discuta o assunto com as pessoas, isso poderá ajudá-la a ampliar o seu olhar sobre isso. Se você já amadureceu estes assuntos e se sente tranquila a respeito dos mesmos poderá sentar e conversar com seu filho, procurando ouvir suas dúvidas a respeito", recomenda a psicóloga.

Também, segundo a terapeuta, é importante dizer à criança que o amor entre as pessoas do mesmo sexo pode existir. E, quando isso acontece, elas querem se casar e às vezes desejam ter filhos. "Você pode também explicar que alguns pais casam ou têm filhos e por algum motivo do mundo adulto eles desejam se separar ou viver em casas separadas e que isso jamais mudará o status de pai e mãe daquela criança", sugere Ana.

Se souber que seu filho zombou o destratou algum coleguinha, não permita. Converse com ele e reforce a importância de se respeitar as diferenças. "Os pais devem ensinar que ao agir assim, ele machuca, ofende e deixa o amigo triste", finaliza a terapeuta.

Maturidade, por Virginia Satir





Virginia Satir expõe em seu livro Terapia Familiar (1) algumas características que correspondem a uma pessoa madura (2). O desenvolvimento da maturidade e da habilidade social e comunicativa são objetivos do processo de psicoterapia individual ou familiar. Seguem as suas colocações:

Uma pessoa madura:

a. Manifestar-se-á claramente aos outros.

b. Permanecerá em contato com os sinais oriundos de seu self interno, permitindo-se assim, conhecer abstratamente o que pensa e sente.

c. Será capaz de ver e ouvir o que está fora de si mesma como diferenciado de si mesma e como diferente de quaisquer outras coisas.

d. Comportar-se-á em relação a uma outra pessoa como alguém separada dela mesma, com características únicas.

e. Considerará a presença da diferença como uma oportunidade para aprender e explorar, e não como uma ameaça ou sinal de conflito.

f. Lidará com outras pessoas e situações em seus contextos, mais em termos de “como a coisa é” do que em termos daquilo que ela desejaria que fosse ou esperava que fosse ser.

g. Aceitará a responsabilidade pelo que sente, pensa, ouve e vê, sem negá-la ou atribuí-la a outros.

h. Disporá as técnicas para negociar abertamente o dar, o receber e o apreender o significado entre ela própria e os outros.

(1) SATIR, V. Terapia de Grupo Familiar. RJ: Francisco Alves, 1978. P. 146

(2) Esta descrição da maturidade enfatiza mais as habilidades sociais e de comunicação do que a aquisição de conhecimento e a realização reconhecida, que, na opinião da autora, derivam das duas primeiras.